domingo, 1 de junho de 2014

Buscando novos olhares


Esses dias assisti a um breve documentário italiano (veja aqui) chamado “Il corpo delle donne” (“O corpo das mulheres”). A produtora – e narradora – analisa a representação da mulher pela mídia televisiva italiana, colocando que a presença feminina serve quase que somente para contentar os desejos masculinos. O vídeo mostra que a mulher foi reduzida a um mero objeto sexual, lutando contra o tempo por meio de diversas intervenções cirúrgicas. A mensagem mais marcante que fica é que as mulheres não são mais autênticas porque talvez não reconheçam mais seus próprios desejos, aqueles mais profundos. “O espelho serve muitas vezes para esconder ao invés de revelar”.

Pensei muito sobre o documentário durante a semana, pois de fato estamos mergulhados num mundo de imagens manipuladas, imagens que sedam e seduzem. Sedam porque começamos a buscar nas pessoas reais algo que não é comum a elas, aquela beleza “excepcional” que as imagens retocadas e “photoshopadas” revelam; seduzem porque são imagens glamourizadas, que transmitem a ideia de que tudo é possível mediante o consumo de determinados produtos e de que a vida certamente é melhor quando se encaixa em um determinado padrão de beleza vigente. Isso é tão sério e tão real a ponto de existirem pessoas que baseiam o valor de seu dia (talvez não de forma consciente) com base naquilo que enxergam no espelho pela manhã: se a imagem agrada, o dia corre bem; se não, é uma sucessão de fracassos. Um paciente meu, por exemplo, espantou-se quando eu neguei ficar me observando nua no espelho após uma festa pra ver o “tamanho do estrago” que aquilo que eu comi gerou em meu corpo. Pra ele isso era algo comum, trivial, e pior de tudo: normal.

Aproveito para transcrever aqui o trecho de um texto que gosto muito e que tem tudo a ver com este tema, cujo título é “Outro olhar, outra visão”:

“Vivemos sob o signo do olhar, sob o impacto da imagem, da sociedade do espetáculo. Nunca como hoje o olhar adquiriu tanta soberania e status diante dos outros sentidos; no entanto, é o sentido mais violentado pela quantidade de imagens despejadas sobre nós a todo momento. O ser humano primitivo tinha um olhar limitado pelas suas necessidades; já o ser humano moderno, devido à complexidade da vida, ao progresso da ciência e da tecnologia, está ficando com um olhar truncado pelas imposições artificiais criadas; cerceado em sua visão, ele não sente a realidade; agredido pelo acúmulo de imagens, ele não se deixa afetar por nenhuma delas. Vê tudo e não olha nada. Treinado para ver o mundo através da lente das grandes redes de poder, de manipulação e de acordo com seus interesses, o olhar estreita-se, o mundo torna-se opaco e a superficialidade da visão não capta o mistério das coisas e das pessoas. Marcada pelo olhar do racionalismo, a pessoa tudo examina, compara, esquadrinha, mede, separa... Mas nunca exprime. Daí o olhar reprimido, insensível, frio, duro, ríspido. Este é o pecado contra o olhar: olhar supérfluo e imediatista, olhar esquizofrênico e narcisista, olhar morno e sem vibração... Nesse olhar não há lugar para a admiração, nem para a acolhida e a presença do outro. Só existe o olhar que fixa, escraviza e aliena. Nossa civilização, que já ultrapassou a era do trabalho escravo, ainda está na era do olhar escravo.” (Padre Adroaldo Palaoro, SJ)

Que possamos todos sentir mais e olhar menos; que possamos acalmar a expectativa do nosso olhar; que possamos ver os outros – e a nós mesmos – com os “olhos do coração”.

Boa semana!

2 comentários:

  1. Doído e muito pertinente o documentário: que possamos tomar posse dos nossos corpos, mentes e vidas (conscientização é o primeiro passo, não é?!). Obrigada, Ana, continue nos "alimentando" tão bem! :)

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