sábado, 22 de setembro de 2012

Efeito nocebo: o que é isso?


Muita gente está familiarizada com o conceito de “efeito placebo”, isto é, um tipo de tratamento/intervenção que não possui validade científica alguma mas que acaba funcionando para algumas pessoas que acreditam nele.

Na área médica, o efeito placebo é uma evidência da forte conexão que existe entre a mente (aquilo que pensamos, acreditamos, sentimos) e os efeitos factuais sobre a saúde. Ou seja: se eu acredito fortemente que beber água com açúcar é um “calmante natural”, é provável que quando eu estiver nervosa e tomar essa combinação eu de fato me acalme (mesmo não havendo nenhum argumento científico que justifique isso!)

Por outro lado, pouco se conhece e se fala sobre o “efeito nocebo”, que seria justamente o contrário do placebo. Ou seja, o poder que nossas crenças, pensamentos e sentimentos têm de afetar negativamente a nossa saúde, mesmo que baseados em algo que não é um consenso científico.

Muitas vezes, apesar de bem intencionados, nós profissionais de saúde reforçamos algumas crenças em nossos pacientes que podem gerar um efeito nocebo. Por exemplo: quando dizemos aos pacientes que eles necessariamente precisam emagrecer para melhorarem sua saúde; quando reforçamos a ideia de que emagrecer de fato é uma coisa desejada e positiva, necessária para sentir-se bem consigo mesmo (talvez porque nós, como pessoas, ainda acreditemos nisso, e dessa forma acabando transferindo nossas crenças pessoais aos pacientes).

Será que não precisaríamos tentar entender o que está por trás de tudo isso, especialmente quando o paciente nos diz que precisa ou quer muito emagrecer? Será que não seria importante compreender o porquê da auto-estima de uma determinada pessoa depender tanto do peso, exclusivamente, a ponto de ela de fato acreditar que não pode se sentir bem consigo mesma a não ser que perca peso?

Quando trago à tona esse tipo de discussão, muitos dizem que sou a favor da obesidade. Não é isso. Eu não acredito que todo gordo é saudável. Mas acredito sim que todos podem buscar uma melhor saúde e levar uma vida saudável independentemente do peso que possuam. E nesse processo (que envolve mudar comportamentos, fazer as pazes com a comida, se auto-conhecer) pode-se ou não perder peso.

Essa é a diferença daquilo que de fato eu acredito.

sábado, 15 de setembro de 2012

Estigma contra obesos em campanhas de prevenção de obesidade


Já escrevi em outros posts sobre o estigma da obesidade e seus malefícios (veja aqui e aqui). Um novo estudo publicado no prestigiado “International Journal of Obesity” pediu que 1014 adultos avaliassem o conteúdo de diversas campanhas de prevenção de obesidade (dos EUA, Austrália e Reino Unido) e relatassem se elas de fato eram motivadoras ou se contribuíam para estigmatizar ainda mais a obesidade e os obesos.

Os participantes responderam mais favoravelmente a campanhas que estimulavam o consumo de frutas, verduras e legumes, a mensagens que estimulavam mudanças de hábitos de saúde de uma maneira geral e a mensagens que focavam em empowerment pessoal (ex: “você tem a força para controlar sua saúde", campanha "Alliance for a Healthier Generation").

Mensagens que deixavam implícito que a obesidade é de responsabilidade individual da pessoa e que culpavam indivíduos obesos por sua condição (ex: “quanto mais você ganha, mais você perde”, campanha “Measure Up”) foram avaliadas como negativas e pouco eficazes (ou seja, os participantes relataram que não seguiriam as orientações desse tipo de campanha). Outras mensagens avaliadas como estigmatizantes foram: “obesidade infantil é abuso infantil” (campanha “Obesity Prevention Australia”) e “ser gordo tira a diversão de ser criança” (campanha “Children’s Health Care of Atlanta”).

Este estudo é mais uma evidência sólida de que estigmatizar os obesos não vai fazer com que eles melhorem sua saúde e seu padrão de vida. Pelo contrário. Esse “terrorismo contra os obesos”, a ênfase que estamos dando no peso corporal por si só não está resolvendo a situação. Os índices de obesidade no mundo só crescem. As alternativas seriam: promover maior aceitação/satisfação corporal (quando a gente se gosta, a gente se cuida!) e incentivar hábitos saudáveis independentemente do peso.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O “paradoxo da obesidade” no diabetes tipo 2

Estudos recentes não negam: em algumas doenças crônicas, como hipertensão, insuficiência renal e insuficiência cardíaca, indivíduos com sobrepeso ou mesmo obesidade exibem menores taxas de mortalidade do que indivíduos com peso considerado normal (veja posts antigos a esse respeito aqui e aqui). Convencionou-se chamar essa realidade de “paradoxo da obesidade” (“obesity paradox”).

Duas pesquisas, uma de 2007 (“Translating Research Into Action for Diabetes”, TRIAD) e outra de 2011 (“PROactive Trial”), avaliaram a hipótese do paradoxo da obesidade no diabetes tipo 2 (DM2). Os indivíduos com peso eutrófico (“normal”) no momento da avaliação inicial apresentaram maiores taxas de mortalidade do que os participantes com excesso de peso (sobrepeso ou obesidade). Entretanto, uma limitação de ambos os estudos é que a duração do diabetes era desconhecida, o que pode ter influenciado os resultados.

A fim de minimizar essa influência, uma pesquisa publicada em agosto no respeitado Journal of the American Medical Association (JAMA) comparou indivíduos com peso eutrófico e com excesso de peso no momento do diagnóstico de DM2. Detalhe: a porcentagem desses adultos que desenvolveram a doença mesmo com peso eutrófico chegou a 21%. Os resultados mostraram que aqueles com excesso de peso apresentaram taxas de mortalidade significantemente menores, corroborando portanto com o “paradoxo”. Importante: os achados estatísticos persistiram mesmo após o ajuste para fatores de risco de doenças cardiovasculares, uso de cigarro e status socioeconômico.

Diante de estudos como esse, eu me questiono: será que devemos mesmo insistir na perda de peso como estratégia única e exclusiva para o controle glicêmico dos pacientes com DM2? Ou será que devemos nos preocupar de forma mais concreta com as mudanças alimentares/de estilo de vida que são capazes de promover controle da glicemia, independentemente do emagrecimento?

sábado, 1 de setembro de 2012

Dia do nutricionista: reflexões


Ontem, dia 31 de agosto, foi o dia do nutricionista. Fiquei muito feliz com os parabéns recebidos por alguns colegas e pacientes queridos e fiz questão eu mesma de parabenizar alguns profissionais da área que fizeram (e fazem) toda a diferença na minha formação.

Ao mesmo tempo, confesso que pensei bastante na atuação da nossa classe profissional e fiquei um pouco preocupada com o rumo que estamos tomando. Por que será que a comida está sendo cada vez mais deixada de lado? Por que será que nos tornamos tão prescritivos? Como foi que nossa atuação se tornou tão focada em suplementos, cápsulas, gotas, tabletes? Por que estamos insistindo que as pessoas comam chia se elas não estão nem mais comendo arroz e feijão?

Levando em conta tudo isso, gostaria de aproveitar essa data tão oportuna para deixar algumas reflexões aos meus colegas de profissão (atenção: as reflexões abaixo não foram estraídas de nenhum livro ou artigo científico, representam meramente a minha opinião!)

1. Busque alternativas eficazes para promover mudanças de comportamentos duradouras em seus pacientes/clientes, e não apenas algo temporário que não seja viável de ser mantido a longo prazo.


2. Pense na aplicabilidade prática de suas orientações. Se nem você consegue seguir aquilo que propõe (exs: coma doce somente uma vez na semana; tire o glúten da sua vida), talvez seja necessário repensar alguns conceitos.

3. Busque sempre novas alternativas e avalie: será que aquilo que estou fazendo/prescrevendo está funcionando para a maioria dos meus pacientes?

4. Procure ler mais artigos científicos e aprenda a interpretá-los. Não baseie sua atuação com base nos achados de um único estudo.

5. Trate seus pacientes/clientes de forma humana e holística, levando em conta a saúde física e emocional do indivíduo.

6. Não se esqueça o principal motivo pelo qual as pessoas comem: o prazer.

Finalmente, parabéns àqueles que como eu amam a profissão de nutricionista e que procuram ajudar as pessoas a melhorarem sua qualidade de vida!